O corte de mais de R$ 600 milhões do orçamento em ciência e tecnologia, por parte do governo federal, preocupa a indústria nacional. O Congresso aprovou medida encaminhada pelo governo para transferir recursos do orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para outros seis ministérios. A maior parte dos recursos estava destinada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Para o professor Edson Roberto de Pieri, diretor do Centro Tecnológico (CTC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o corte dos recursos é “catastrófico”, principalmente para as áreas básicas da ciência, que dependem dos órgãos de fomento do governo federal. O orçamento de R$ 690 milhões que estava previsto caiu para R$ 89 milhões. Segundo o professor, isso pode provocar um “apagão” na ciência e refletir na indústria nacional.
“Todo o setor industrial será impactado, o metalmecânico principalmente. É uma combinação muito ruim, inflação alta, que afeta o preço da matéria-prima, com baixo investimento em pesquisa. Tudo que significa a redução de custos de produção não está na ordem do dia. E com isso o Brasil perde competitividade neste setor”, avalia Andrade.
Ele explica que a área de pesquisa aplicada nas universidades pode demorar mais a sentir os impactos, porque recebe apoio financeiro do setor privado. “Tem áreas que conseguem tocar projetos apesar dos cortes do governo, principalmente as de pesquisas aplicadas, mas elas só conseguem ser produtivas do ponto de vista para gerar recursos quando você tem a ciência básica para dar suporte. Esse corte afeta mais a ciência básica, porque não temos empresas que financiem”, explica o diretor do CTC.
Com isso, para ele, o impacto na indústria será enorme, especialmente no médio e longo prazo. “Em curto prazo, a indústria pode bancar isso com financiamento às universidades, centros de pesquisa. Mas com o tempo, vai impactar no que a indústria vai ser daqui a cinco anos. E é preciso pensar a curto, médio e longo prazo. Vai afetar já no médio prazo, porque quando tem essa quebra de financiamento você desmonta os grupos de pesquisa”.
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Andrade pondera que os cortes no setor sempre ocorreram, mas eram resultado de contingência, ou de uma crise mundial. “Nesse momento, o corte é um pouco perverso. Você sabe que tem inflação, pandemia, mas não foi dada perspectiva de que ele vai passar. Há questões até ideológicas, e isso deve preocupar a sociedade como um todo, e o empresariado em especial”, avalia o professor.
O CTC tem dialogado com setores industriais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que tem demonstrado preocupação com esse assunto. “A CNI identifica que vamos ter uma lacuna de investimento agora, mas o impacto vai vir daqui a um ou dois anos, e para recuperar vai levar cinco ou dez anos”, mensura Andrade.
Setor mobilizado para a liberação de recursos
Em maio deste ano, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) pediu ao ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, o descontingenciamento total do FNDCT e a autonomia do Conselho Diretor do FNDCT para definir a distribuição dos recursos. “Quando analisamos as principais estratégias de desenvolvimento dos países mais avançados, localizamos a inovação, a ciência e a tecnologia no centro delas. No Brasil, os recursos têm sido reduzidos tanto no FNDCT – em função do crescente contingenciamento e apesar do aumento da arrecadação – quanto em outros orçamentos, a exemplo do que se prevê para o MCTI no exercício de 2021”, afirmou a diretora de Inovação da CNI, Gianna Sagazio.
A solicitação formal não surtiu efeito, e os cortes continuam preocupando a instituição. Em agosto, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, defendeu durante a reunião do Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) a liberação total de recursos do FNDCT, considerado a principal fonte de fomento à ciência, tecnologia e inovação (CT&I) do país. “Vivemos um período em que o investimento em ciência, tecnologia e inovação se provou fundamental ao desenvolvimento econômico e social dos países”, afirmou Andrade.
Investimento em CT&I é fundamental para tornar indústria mais competitiva
No mês de outubro, em artigo publicado no jornal O Globo, o presidente da CNI destacou que os recursos do FNDCT são primordiais para a ciência e recuperação da indústria nacional. “Desafios sem precedentes, como a pandemia da Covid-19, colocaram a ciência, tecnologia e inovação em evidência, como ferramenta imprescindível para a retomada do desenvolvimento econômico e social. Os países avançados compreenderam que o fortalecimento de seus ecossistemas de CT&I, com estímulo às inovações e integração entre pesquisa e mercado, é primordial para tornar a indústria mais digitalizada e competitiva, gerar empregos de qualidade, melhorar o meio ambiente e promover a inclusão social”, defendeu. “O financiamento estimulante e previsível desse setor é o grande diferencial para que empresários inovadores consigam gerar vantagens competitivas e fazer a economia girar”, completou Andrade.
Ele deu exemplos da importância do FNDCT no desenvolvimento da indústria e economia nacionais: “Companhias como Embraer e Embrapa, que imprimem a marca do Brasil inovador no mundo, além de tantas outras que desenvolvem pesquisa, foram beneficiadas. Universidades e Institutos de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTs) públicos e privados também se beneficiaram. Nos últimos anos, porém, o orçamento do FNDCT não vem sendo aplicado no seu fim.”
Fonte de recursos para projetos inovadores
Criado em 1969, o FNDCT é um fundo de natureza contábil que tem como objetivo financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico. Quem opera os recursos é a Finep. Entre 1999 e 2019, o Fundo arrecadou R$ 62,2 bilhões, mas, historicamente, os recursos sofrem bloqueios, segundo informações da CNI.
Entre os diversos projetos que se tornaram viáveis por conta dos recursos do FNDCT, estão o Sirius, maior infraestrutura de geração de luz síncrotron do hemisfério sul; o tanque oceânico instalado na COPPE/UFRJ – o maior do mundo para projetos de estruturas flutuantes e operações no mar; e o processo de automação robotizada, liderado pela Embraer e pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), que teve origem em amplo investimento em pesquisa pública.
O Fundo também foi fundamental para a realização do Inova Empresa, maior programa de apoio à inovação empresarial na última década no Brasil.
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