Vivemos constantemente conectados, algo que impacta diretamente nossas vidas por meio de dados e informações que nós mesmos geramos quando acessamos redes sociais ou páginas da web. As pesquisas virtuais realizadas dão pistas para que empresas de diversos segmentos de mercado se aproximem de nós, clientes, e ofereçam produtos ou serviços intimamente alinhados com nossas preferências e necessidades. O mesmo ocorre com a Indústria.
Por ter um produto de alto valor agregado e por atuar em um segmento cujos clientes têm se tornado cada vez mais exigentes e menos fieis a uma marca ou modelo de veículo, empresas que atuam no setor automobilístico buscam também utilizar as informações disponíveis para prever as demandas do mercado e estar o mais próximo possível de potenciais clientes. Quando pensamos em quantidade de dados, no entanto, não há nada similar ao montante produzido por um carro conectado.
Seja por meio de uma rede móvel própria do veículo ou da integração do smartphone do motorista ou passageiro com o sistema de infoentretenimento do carro, a conexão do veículo a um hub externo pode criar um mundo novo de perspectivas, riscos, oportunidades e de receitas financeiras ainda pouco exploradas ou não identificadas.
De uma forma geral, além de transformar os dados em um ativo de muito maior valor, a conectividade permite que as empresas possam oferecer recursos que melhorem a segurança, comodidade e conveniência dos ocupantes do veículo; pode ser utilizado como um diferencial da marca e também gerar novas receitas no pós-venda do veículo, ao longo de todo o seu ciclo de vida.
A IHS Markit estima que, em 2025, 78% dos veículos produzidos no mundo sejam conectados por meio de recursos próprios ou preparados para utilizar dispositivo externo para estabelecer conexões. Com isso, o volume vai saltar de 51 milhões em 2019 para 74 milhões em 2025.
Em algumas regiões do mundo esse crescimento tende a ser muito acelerado, como é possível inferir a partir do gráfico abaixo.
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Por diversos fatores, entretanto, somente uma pequena porcentagem dos veículos produzidos na América do Sul saem de fábrica com sistemas de telemática instalados atualmente. Para os próximos anos, espera-se que o crescimento na adoção desses sistemas continue ocorrendo paulatinamente.
No Brasil, em função da crise que impactou a indústria automotiva nos últimos anos, dos altos investimentos necessários para as montadoras adequarem seus veículos às novas exigências do governo (obrigatoriedade de ABS, airbags e agora Rota 2030), e também por causa do fracasso na promulgação da resolução 245 do Contran, cancelada definitivamente em 2015 antes de ser efetivada, foram poucas as montadoras que decidiram até o momento apostar na produção de veículos com sistema de conectividade própria. Somente pouco mais de 16% dos veículos produzidos no Brasil possuíam este recurso em 2019. Para 2025, a IHS Markit prevê que este número fique em torno de 24%.
Os dados com potencial de exploração podem ser gerados pelo sistema de navegação do veículo, pelos sensores que os veículos modernos utilizam para monitorar o seu entorno, pelas diversas ECUs embarcadas no veículo ou ainda pelo próprio motorista e passageiro(s). É difícil mensurar o valor intrínseco desses dados para cada subsegmento que atua direta ou indiretamente dentro do mercado automobilístico, mas é certo que eles têm valor para diferentes players, dependendo da origem dos mesmos.
Por exemplo, a forma com que o motorista conduz o veículo e os lugares por onde ele trafega podem ter muito valor para as empresas de seguro, que podem criar novos modelos de avaliação de risco com cobranças customizadas em função dos hábitos de cada cliente. Já as músicas que o motorista gosta de ouvir enquanto dirige podem ser ativo significativo para empresas de streaming.
Quando o carro possui sua própria rede móvel, o detentor desse fluxo de dados é a montadora do veículo e suas subsidiárias. Desta forma, essas empresas podem fazer suas próprias análises sobre esses dados e criar serviços ou inciativas próprias para capitalizar tendo como base as informações disponíveis ou então passar esse direito a terceiros, cobrando uma comissão sobre as receitas geradas. No mundo, por exemplo, existem empresas, como é o caso da GM e da Chrysler, que já vêm criando seus próprios marketplaces para vender produtos de dentro do próprio veículo.
Um novo mercado on-line
Há inúmeras possibilidades de serviços que as empresas podem oferecer aos clientes através de veículos conectados. A IHS Markit prevê que os serviços com maior potencial de geração de receitas hoje e no futuro são o diagnóstico e prognóstico remoto do veículo, plano de dados (Wi-Fi), serviços de segurança (chamadas de emergência), monitoramento e controle de veículos roubados, controle remoto de funções do veículo (ar-condicionado, configuração da posição de assentos), pagamentos de serviços a partir do carro (pedágio, estacionamento), e-commerce de produtos, vídeos e músicas via streaming e serviços de informação (clima, trânsito, rotas dinâmicas).
O gráfico a seguir mostra o número de usuários e/ou assinantes de serviços conectados ao longo dos anos, em que é possível observar que no mundo haverá aproximadamente 500 milhões de usuários desses serviços em 2025. Para ilustrar, a utilização de serviços relacionados à segurança deve crescer 12,7% ao ano, gerando uma receita de US$ 60 milhões em 2025; o diagnóstico remoto deve crescer 13,5% ao ano, gerando uma receita de US$ 50,5 milhões em 2025; e o serviço de monitoramento de veículos roubados deve crescer 15,8% ao ano, gerando uma receita de US$ 51,5 milhões em 2025.
Todavia, apesar da conveniência e da comodidade que os serviços conectados podem prover aos usuários, muito se questiona a respeito dos valores cobrados para que os clientes mantenham estas conveniências ativas após o período de teste, que pode variar de três meses a um ano.
Pesquisa realizada pela IHS Markit em alguns países, incluindo o Brasil, constatou que aproximadamente 50% dos respondentes estariam dispostos a continuar pagando pelos serviços de conectividade do veículo após o período de teste. No Brasil, esse número chega a 56%.
Dentre os serviços de maior interesse entre os pesquisados estão o rastreamento e notificação de veículos roubados, os serviços de assistência na estrada e o controle remoto de funções do veículo. De uma forma ampla, as pessoas que utilizam ou se interessam por serviços de telemática enxergam este sistema muito mais como um item de segurança e que traz tranquilidade do que um item de conforto ou conveniência.
É certo que no momento as montadoras ainda não estão totalmente seguras ou cientes a respeito da forma de capitalizar sobre o fluxo de dados que o automóvel conectado pode gerar. No momento em que isso acontecer, oferecer esses serviços gratuitamente como forma de acesso a essa avalanche de dados e para construção de uma linha direta com o cliente começará a fazer total sentido para as montadoras, pois elas irão monetizar com um novo leque de oportunidades que vai muito além da simples venda de veículos ou peças.
* Por Flávio Dias, Analista Sênior de Supply Chain da IHS Markit, consultoria que atua na oferta de informações, análises e soluções críticas para os principais setores e mercados que orientam a economia em todo o mundo. Sediada em Londres, a companhia tem como um de seus pilares o compromisso com o crescimento sustentável e rentável.
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