Em pouco mais de 50 anos de atuação, a Embraer se consolidou como uma das referências entre as indústrias brasileiras que ultrapassaram as fronteiras locais. Pioneira, a empresa chegou longe, ao formar uma carteira de clientes que inclui mais de 100 companhias aéreas, em mais de 60 países. E alcançou um valor de mercado de R$ 14 bilhões.
Recentemente, a companhia adicionou mais escalas a esse ambicioso mapa. Longe dos ares, a novidade veio de fazendas em Watsonville, Oxnard e Santa Maria, cidades do estado da Califórnia. E da aproximação com a Advanced Farm, startup responsável por um robô que automatiza a colheita de morangos para produtores na região.
Em agosto de 2019, a novata americana captou US$ 7,5 milhões em uma rodada que, entre outros atores, contou com a participação do Catapult Ventures, fundo do Vale do Silício que atua como um braço de contatos e de investimentos da Embraer em inovações no exterior.
Inusitada, a conexão com a Advanced Farm é apenas um exemplo de um roteiro que está sendo traçado pela Embraer. Esse plano de voo passa por aportes e parcerias com startups. E tem como destino final a abertura de novas frentes de negócios. Boa parte delas, à margem da joint venture de aviação comercial firmada com a americana Boeing, na qual a brasileira terá uma participação de 20%.
“A tecnologia da Advanced Farm tem um dos maiores níveis de precisão computacional que já vimos”, afirmou Sandro Valeri, diretor de estratégia de inovação e de corporate venturing capital da Embraer, durante evento recente promovido pela StartSe, em São Paulo. “É um mercado onde tudo está nascendo. E nós estamos construindo as verticais do futuro para uma nova Embraer.”
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Nessa jornada, a empresa elegeu quatro áreas como foco: aviões autônomos, aeronaves elétricas, mobilidade urbana e plataformas baseada em serviços. E deu peso a conceitos e tecnologias como inteligência artificial, manufatura avançada e cibersegurança.
Além do Catapult Ventures, um dos braços para dar asas a essa estratégia é o Fundo Aeroespacial. A Embraer é uma das cotistas do fundo, que foi criado em 2014 e conta ainda com a participação da Finep, do BNDES e da Desenvolve SP.
No radar
Fundada em 2014, a Motora Tecnologia é uma das empresas desse portfólio. A startup foi criada por ex-alunos da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a partir do desenvolvimento de um carro autônomo na instituição. De um lado, essa conexão gerou o primeiro teste de uma aeronave autônoma no País, em outubro de 2019. Em parceria com a UFES, a Embraer realizou o taxiamento, sem piloto, de um Legacy 500.
Ao mesmo tempo, a aproximação resultou em um aporte do Fundo Aeroespacial na Motora, em maio de 2019. Antes, porém, a startup capixaba passou por uma extensa sabatina de cerca de seis meses com executivos do alto escalão e engenheiros da Embraer.
“Estamos ajudando a Embraer a trazer mais autonomia para as suas aeronaves”, diz Lauro Lyrio, cofundador da Motora. A novata criou um sistema baseado em minicâmeras que podem ser acopladas a carros, aviões e drones. E que faz uso de algoritmos para identificar, por exemplo, riscos iminentes de colisões e se um motorista está dormindo ou fazendo uma ultrapassagem proibida.
No momento, a Motora participa de projetos da Embraer nas áreas de defesa e em iniciativas como o táxi aéreo elétrico eVTOL. “Estamos muito alinhados com a ideia da Embraer em transformar a mobilidade aérea urbana”, afirma Lyrio.
Nesse caminho, a startup também está conectada a outras empresas do ecossistema da Embraer, como a Atech. Com 100% de sua operação comprada em 2013, a companhia atua em áreas como defesa e sistemas de controle de tráfego aéreo. E é mais um braço na busca da gigante brasileira por parcerias.
Recentemente, a Atech se estabeleceu no State, hub de inovação inaugurado no início deste ano em São Paulo. “Vamos usar o State para desenvolver provas de conceito e projetos de inovação com outras empresas”, diz Mauro do Santo Junior, diretor de tecnologia e de inovação da Atech. “A Embraer tem olhado cada vez mais para fora e buscado complementos ao seu negócio.”
Sob essa estratégia, a lista de investimentos e parcerias com startups é extensa. E inclui nomes de novatas americanas, como a Xnor.ai, de inteligência artificial, comprada em janeiro pela Apple; a Engine ML, de machine learning; e Iris, Near Earth Autonomy e Daedalean, de tecnologias para voos autônomos.
A abordagem também passa por parcerias com empresas de maior porte e ícones do mundo das startups, como a Uber. A Embraer firmou um acordo com a companhia americana para desenvolver veículos aéreos e urbanos, entre eles, o eVTOL. Em outra frente, a empresa anunciou no início do ano um acordo com a também americana Elroy Air, para entrar no segmento de drones de carga.
“A Embraer está abrindo um universo que tem uma capacidade exponencial de crescimento. Nesse contexto, o céu é, literalmente, o limite”, diz Francisco Lyra, sócio da consultoria C-Fly Aviation. Ele destaca que essa estratégia ganha força com o histórico que a companhia acumulou no setor. “Eles sempre estiveram expostos a uma regulação internacional mais rígida. Mas souberam tirar proveito dessa adversidade com inovação.”
Essa capacidade de se reinventar é atestada pelos números. “Hoje, cerca de 50% da nossa receita vêm de produtos que não existiam cinco anos atrás”, disse Sandro Valeri, durante o evento da StartSe. “Se puxarmos para dez anos, esse índice chega a 90%”.
Em 2018, 44% da receita de R$ 18,7 bilhões da Embraer foi gerada por negócios criados nos cinco anos anteriores. A estratégia rendeu outros frutos. No ano, a empresa publicou 93 patentes, sendo 23 no Brasil e 70 no exterior.
Nesse cenário, os negócios à parte da divisão de aviação comercial incluída no acordo com a Boeing também já têm um peso considerável. Do faturamento de R$ 13,2 bilhões acumulado entre janeiro e setembro de 2019, R$ 8,02 bilhões vieram das áreas de aviação executiva, de defesa e segurança, e de serviços e suporte.
Dentro de casa
Além do foco no desenvolvimento de produtos e serviços, a busca por startups envolve a adoção de tecnologias na própria operação da Embraer. Esse é o caso da Aquarela, novata fundada em 2012, em Florianópolis, e outra investida do Fundo Aeroespacial.
O aporte veio em 2017, depois de a Aquarela desenvolver um projeto-piloto de nove meses para a Embraer e passar pelo rígido crivo da fabricante. Na iniciativa, a Aquarela criou algoritmos de inteligência artificial que, além de anteciparem a necessidade de manutenção de peças, sugeriam o método mais assertivo para agilizar e aprimorar esse processo.
“É como se o algoritmo reunisse o conhecimento de um mecânico com 30 anos de experiência”, explica Joni Hoppen, cofundador da Aquarela. “Com o projeto, nós melhoramos esses processos dentro da Embraer em 18%.” A parceria envolve agora outras iniciativas em áreas como segurança e defesa. E deu visibilidade para a novata, que hoje tem uma carteira com clientes como BRF e Randon.
Sob esse mesmo direcionamento, a Embraer tem entre seus fornecedores startups como a Gupy e a RocketMat, de recrutamento e seleção com o uso de inteligência artificial; a Conversica, de chatbots de vendas; e a Salesvue, de automação de sistemas de relacionamento com o cliente.
Em sua palestra, Sandro Valeri destacou que a estratégia de inovação da Embraer segue uma abordagem descentralizada. E que esse direcionamento começou a ganhar força em 2005. Desde então, a evolução nessa frente incluiu quatro ondas.
A primeira delas, centrada em inovações produzidas dentro de casa. Com o aprendizado sobre questões e tecnologias como o big data, a segunda fase envolveu o desenvolvimento do conceito do avião como um hub de dados, o que se materializou a partir da família de aeronaves E2. E por meio de uma série de novos serviços.
Já a terceira etapa teve como pontapé a chegada ao Vale do Silício, em 2017, e a criação de iniciativas como a EmbraerX, braço de busca por inovações disruptivas da empresa na região. A Embraer também investiu em estruturas semelhantes nas cidades de Boston e Melbourne, localizadas, respectivamente, nos estados americanos de Massachusetts e Flórida.
Valeri observou ainda que algumas premissas permeiam a cultura e a aplicação da inovação na companhia. “Somos rápidos e lucrativos. E fazemos tudo na metade do tempo dos nossos competidores”, afirmou. “E a inovação tem que ser radicalmente útil. Em uma empresa de cientistas, não se pode fazer tecnologia por tecnologia.”
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