A manufatura aditiva do aço, também conhecida como impressão 3D, é vista como uma alternativa promissora para a indústria aeroespacial, pois permite criar peças customizadas em formatos complexos. Entretanto, sua aplicação prática ainda é desafiadora, pois a microestrutura do aço obtido por essa tecnologia é diferente daquela resultante da fabricação tradicional, o que pode comprometer as propriedades mecânicas do material.
Em artigo publicado no periódico Additive Manufacturing, pesquisadores brasileiros mostraram ser possível manipular as propriedades de um tipo de aço produzido por manufatura aditiva com tratamentos térmicos. O estudo, apoiado pela FAPESP, foi conduzido no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas.
O aço investigado no projeto foi o maraging grau 300, material ultrarresistente obtido a partir do envelhecimento da matriz martensitica – que, por sua vez, é um produto da austenita. Além da resistência mecânica, ele é dúctil, isto é, capaz de absorver deformações. Essa característica é importante em materiais submetidos a cargas intensas e ciclos de fadiga, como uma turbina de avião ou um trem de pouso, por exemplo.
“Percebemos na literatura que, quando o aço maraging é fabricado por manufatura aditiva, atinge a resistência desejada, mas a ductilidade é menor”, disse Julian Arnaldo Avila Diaz, professor dos cursos de Engenharia Eletrônica e de Telecomunicações e de Engenharia Aeronáutica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São João da Boa Vista, à Agência FAPESP.
Durante o envelhecimento do aço maraging, os diferentes elementos que formam sua microestrutura se agrupam. São esses grupos que determinam resistência e ductilidade do material e sua organização depende de fatores como tempo e temperatura.
Entretanto, devido à heterogeneidade da precipitação desses elementos de liga na matriz durante a manufatura aditiva, o envelhecimento tradicional – tratamento térmico em temperatura que varia conforme a liga utilizada, mas que geralmente é feito na faixa de 500 ºC por um período de até quatro horas – não traz o efeito esperado na microestrutura do aço maraging.
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Os pesquisadores tentaram, então, alterar os agrupamentos de elementos com temperaturas diferentes das usuais. O objetivo era aumentar a quantidade de austenita na matriz martensítica, que tem ductilidade maior do que a martensita.
“Buscamos uma faixa de temperatura e de tempo de exposição em que parte da martensita se dissolvesse o suficiente para formar austenita e ficasse estável, ou seja, não voltasse à forma original”, disse Diaz.
Luz síncrotron
As peças de aço maraging usadas foram construídas por fusão a laser seletiva e homogeneizadas a 820 °C. Depois de fabricadas, as amostras foram submetidas a revenimento – tratamento térmico no campo bifásico – em três temperaturas, 610 °C, 650 °C e 690 °C, por cerca de 30 minutos.
Nas duas primeiras, houve transformação gradual e significativa da martensita em austenita, com alta estabilidade térmica, que seria o cenário ideal para promover a ductilidade. Já aos 690 °C, houve formação excessiva da fase austenita e conversão indesejada do material em martensita durante o resfriamento.
A determinação da quantidade de austenita e martensita medida experimentalmente foi comparada com simulações termodinâmicas. O estudo foi feito na estação experimental XTMS, associada à linha de luz XRD1 de difração de raios X do LNLS. Esse tipo de raios X consegue analisar porções bem específicas de materiais, em níveis microscópicos, e transmitir informações em tempo real sobre o comportamento da peça.
“Graças à luz síncrotron, observamos pela primeira vez ao vivo todas as fases do processo neste tipo de aço, algo que só víamos em imagens estáticas na literatura”, disse Diaz. Outra vantagem foi conseguir definir exato, nos diferentes patamares de temperatura testados, necessário para atingir esse efeito – chamado de TRIP (plasticidade induzida por transformação, na sigla em inglês).
Para Diaz, a luz síncrotron é uma ferramenta fundamental em pesquisas da área metalúrgica que podem levar a novos materiais e peças para todas as indústrias brasileiras. esta pesquisa estamos estudando manufatura aditiva de aços, mas todos os processos de fabricação e transformação de metais podem ser analisados de maneira in situ no síncrotron. Basta vincular as empresas conosco os pesquisadores para encarar os desafios.”
Possibilidades para o futuro
Em linhas gerais, a pesquisa constrói as bases para um novo tipo de aço feito por impressão 3D, com ductilidade elevada. “Conseguimos criar uma matriz que aparenta ser resistente, embora não ao ponto do aço maraging tradicional, mas com ductilidade considerável”, disse Diaz.
Os próximos passos envolvem mais análises cristalográficas, em diferentes faixas de temperatura, e, depois, submeter o material a testes mecânicos, que irão comprovar se a hipótese do grupo (de que a ductilidade pode ser melhorada) é válida na prática.
Por enquanto, a manufatura aditiva do aço só é usada em protótipos, justamente por conta da imprevisibilidade de sua microestrutura. Espera-se que, com este trabalho e os próximos que virão, seja mais fácil viabilizar seu uso efetivo em indústrias críticas. “A partir disso, poderemos criar tecnologias que mudarão a vida de várias maneiras”, disse Diaz.
O artigo Austenite reversion kinetics and stability during tempering of an additively manufactured maraging 300 steel, de F.F. Conde, J.D. Escobar, J.P. Oliveira, A.L. Jardini, W.W. Bose Filho e J.A. Avila, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2214860418308030?via%3Dihub.
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