"A pandemia nos mostrou que precisamos ser menos humano dependentes na indústria"

Em entrevista, Claudio Henrique Goldbach, diretor da ABII, fala sobre sua trajetória, aprendizados e como a pandemia deve ser uma catalisadora de avanços tecnológicos.

Por: ABII      06/08/2020 

Claudio Goldbach tem 25 anos de experiência em processos térmicos, com amplo conhecimento em equipamentos industriais como fornos, estufas e aquecedores. Tem pautado a carreia na busca por inovação e maior eficiência de processos térmicos industriais. Atualmente, é diretor da Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII) e CEO da TERMICA Solutions. 

Ele costuma brincar que nasceu com uma "doença genética", que é ser engenheiro. O pai e os dois irmãos também são engenheiros, numa família muito voltada para a lógica e para a racionalidade. "Era o caminho óbvio", aponta. Nesta entrevista, ele fala um pouco sobre sua trajetória, aprendizados e como a pandemia deve ser uma catalisadora de avanços tecnológicos.

Nas próximas semanas você confere outras entrevistas com os integrantes da diretoria, que permanece à frente da ABII até abril de 2022. É uma forma de inspirar e aproximar você da nossa entidade, que estará comemorando quatro anos de fundação no dia 10 de agosto. A ABII atua com o objetivo de promover o crescimento e o fortalecimento da indústria 4.0 e da IIoT (Industrial Internet of Things) no Brasil. Fomenta o debate entre setores privado, público e acadêmico, a colaboração e o intercâmbio tecnológico e de negócios com associações, empresas e instituições internacionais, a partir do desenvolvimento de tecnologias e inovação. Boa leitura!

Qual é a sua formação profissional e como ela te trouxe até aqui?

Claudio - Sempre fui um bom aluno e matemática e física me chamavam muita atenção. Meu pai era engenheiro e uma referência pra mim. Eu admirava muito ele. Quando fiz vestibular só existiam duas possibilidades: educação física ou engenharia química. E fui para engenharia, claro! Eu já trabalhava com meu pai, então parecia o caminho óbvio. Eu curtia e tinha um gosto pelo que estava estudando. Durante a faculdade, sabia o que eu queria fazer. Eu tinha uma convicção até mesmo do que eu queria fazer da minha vida. Chegar na engenharia foi natural pelo contexto da minha casa. Mas meus filhos, por exemplo, foram para outras caminhos. Tenho gêmeos com 21 anos. A Carol foi para a arquitetura e o Henrique para a filosofia. Eu, desde muito novo gosto de tecnologia. Em 1986 eu tinha 12 anos e fui fazer um curso de computação. Não tinha nem ideia do que era. Em 1987, ganhei meu primeiro computador. Quem tinha computador nesta época? Eu era privilegiado, com certeza. E no começo dos anos 90, fui sócio de uma loja de informática. Eu montava computadores, configurava, instalava software. Tecnologia de informação sempre me chamou muita atenção. A minha atual empresa sempre trabalhou com processos físicos e ali pouco há de tecnologia de informação. Mas a TI sempre foi um hobby. Fiz o primeiro site da empresa lá em 1997 e em várias coisas nós fomos inovadores em adoção de tecnologia. Nestes momentos eu podia trazer meu hobby para o negócio. Trouxe vantagens competitivas para a empresa, mas era o meu momento feliz.


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Você continua estudando? Como o estudo se encaixa na sua rotina atual?

Claudio - A minha principal característica é que eu sou um apaixonado (talvez um visionário). Eu não sou organizado, nem metódico. Não gosto de rotina. Mas consigo ver oportunidades, conexões e beleza em muita coisa. Quando eu tenho essas visões tenho muita vontade de fazer acontecer. Aí tenho também um braço executor muito forte. Tem uma história de um congresso na Itália, em que eu dei uma palestra, que explica um pouco estas relações que eu acabo fazendo e um pouco das minhas características e heranças culturais. Naquele congresso teve um canadense que se apresentou antes de mim. Ele falou muita coisa que eu ia falar. Então, quando eu entrei no palco brinquei com o público que eu ia fazer um pouco de terapia e contar porque eu estava ali já que tudo o que eu havia preparado já tinha sido dito: 'Estou aqui por causa do meu nome, acreditem. Claudio é herança italiana, da minha mãe e Henrique, herança alemã, do meu pai.

Quando eu era técnico de campo era muito difícil fazer a manutenção dos fornos. Eu tinha que colocar instrumentos para saber o que estava acontecendo com eles. Eu tinha essa carência italiana. Eu precisava que os fornos falassem comigo, essa coisa sentimental, sabe'. Aí o lado alemão falou assim um certo dia: 'para de reclamar, vai lá e faz acontecer. E assim, eu comecei a jornada de fazer os fornos falarem comigo'. E aí eu contei todo o processo. Com essa apresentação ganhei até um prêmio de inovação no evento, porque a palestra foi muito engajadora. Eu contei a minha história e a o mesmo tempo estava falando de tecnologia. Era o meu lado italiano querendo a conexão e o lado alemão querendo fazer as coisas acontecerem. E eu sou assim na vida. Digo que eu tenho o lado apaixonado italiano e o sistema operacional alemão. Uma combinação que me ajuda muito. Mas eu leio muito e assisto muito vídeo e tenho uma grande facilidade de aprendizado. Consigo consumir em inglês, que na minha área é muito importante. E aí eu nem noto o que estou estudando.

Qual foi o momento de maior aprendizado profissional que você teve?

Claudio -
Não tem só um momento. Mas teve um momento recente, em 2016, que mudou muita coisa para mim. Eu estava numa fase tranquila no meu trabalho sobre processos térmicos industriais, porque tinha conhecimento, escrevia artigos, participava de eventos internacionais. Havia um domínio do conhecimento. Quando eu precisei conectar esses processos com várias tecnologias: de automação, de informação, de comunicação, aí deu aquele baque: eu fui para um nível abaixo e precisei buscar muito aprendizado. Foi um momento sensacional de aprendizado e ainda esta sendo. Oportunidade de aprender a conectar muitas tecnologias e conhecer um pouco de cada uma delas. E muito foi em função da ABII. E eu estou aprendendo até hoje.

Teve alguma oportunidade que você deixou passar e se arrepende? 

Claudio - Não me arrependo de nada. Eu acertei muito e talvez nem dê o merecido valor para estes acertos, mas eu respeito muito os meus erros. Eles são grande professores, então sou grato a eles. Eu não me maltrato com os erros. Espero sempre não repeti-los, porque isso é sinal de conhecimento e sabedoria. Tudo o que eu acertei ou errei me trouxe até aqui.

Uma dica para um jovem que está inciando sua jornada profissional:

Claudio - Nenhuma universidade hoje forma profissionais que servem completamente as necessidades do mercado ou das próprias pessoas. As pessoas tem problemas e os profissionais deveriam estar capacitados para resolver estes problema. Existe um descolamento entre o que se ensina e o que é necessário. Então, não conte com a formação como única ferramenta. Você vai sair com uma chave de fenda e na vida real vai encontrar um prego. A gente acaba tendo várias demandas, dores, problemas sem solução e os resolvedores de problemas não estão capacitados. A formação é diária e para sempre! Outra dica: engenheiro precisa aprender a lidar com pessoas, porque os problemas estão com as pessoas e é preciso se conectar com elas para entender.

Você se considera um empreendedor?

Claudio - Eu certamente me considero empreendedor. Desde pequeno tenho atitudes de empreendedor. O que me move é a paixão. Eu me apaixono por temas, por ideias e por problemas. Fica muito claro que as minha atitudes são motivadas por paixão. E às vezes eu tenho que ser empresário porque o negócio exige isso. Então, me cerco de pessoas que são melhores do que eu tocando a parte burocrática do negócio.

Liderança e inovação são fundamentais? 

Claudio - Eu discordo. Liderança não é para todos. Acho que todos nós precisamos nos desenvolver como seres humanos. Existem vários perfis de pessoas, então alguns serão líderes e outros não. Inovação também não é para todos. O mundo é 1% inovação e 99% manutenção. Se todos forem fazer inovação, quem é que vai cuidar do dia a dia? 

Como você chegou a ABII e se tornou um dos diretores?

Claudio - Eu cheguei a ABII quando eu estava construindo um forno e depois que terminei queria saber se ele era 4.0. Naquele momento um colega estava na Expogestão e viu uma palestra do Rizzo. Isso lá em 2016. Ele veio me falar do quanto tinha gostado e que ele fez uma provocação de transformarmos Joinville na capital brasileira de internet industrial. Aquilo me pareceu muito legal, embora eu não tivesse certeza do que era internet industrial. E aí este meu amigo explicou: é conectar coisas físicas no mundo digital. Eu falei: "conectar fornos no mundo digital?" E ele me disse: "sim, poderia ser!" É isso que a gente está tentando fazer. Tanto eu quanto o Rizzo éramos voluntários em causas em comum, mas a gente não se conhecia nem tinha uma relação próxima. Eu tinha um colega de primeiro ano de faculdade que trabalhava na Pollux e conhecia o Rizzo. Aí falei com ele e disse que estava interessado no tema e em falar com o Rizzo. Houve uma reunião lá na Acij com empresas interessadas e assim eu virei sócio da ABII. E tive a resposta sobre o meu forno: ele não era 4.0. Para virar 4.0 eu precisava pegar o cabo de automação e ligar em um computador. Fazendo isso funcionar, ele seria 4.0. Naquele momento caiu a ficha. Foi uma espécie de raio na minha cabeça porque ali, naquele momento eu estava juntando os dois mundos que eu tanto gostava. Os dois mundos se conectaram e, finalmente, eu fiz o meu hobby virar o meu trabalho. No início eu era só um associado apaixonado, que sugeria muitas ideias e participava de tudo. Depois, comecei a participar das reuniões de diretoria e fui convidado para ser diretor.

Qual a importância da ABII no atual contexto do país?

Claudio - Nosso propósito é muito puro e muito nobre. Nós queremos que esta tecnologia não passe em branco e que a gente não fique para trás em relação a indústria 4.0, a IIoT e tudo mais. A gente não fica tentando eleger alguém, ter um cargo no governo ou fazer lobby para algo, por exemplo. Essa pureza me encanta e me motiva! Nossa mensagem é genuína, é real, é autêntica. Isso é muito novo e muito diferente no Brasil, em termos de atuação de uma associação.

Especificamente neste momento que estamos enfrentando a pandemia, qual o papel da tecnologia?

Claudio - A tecnologia se desenvolve a partir da ciência. A ciência tem sido abandonada há tempos no Brasil. Agora teve um movimento de retomada, das pessoas darem valor a ciência. O que se desenvolveu muito nos últimos 50 anos foi a tecnologia da informação. As outras praticamente ficaram idênticas. A pandemia se assemelha muito com uma guerra e nesta hora de guerra existem avanços tecnológicos. As guerras são catalisadoras destes avanços tecnológicos. E tem muita coisa que esta sendo testada hoje, sem burocracia, com muita aceleração. Outro ponto que tem a ver com as tecnologias habilitadoras da indústria 4.0 é que desta vez nós temos que nos afastar, porque desta vez nós somos os vetores da doença. Será preciso levar as pessoas para a sala de controle e não deixar ela lá, na fábrica, carregando caixa ou fazendo qualquer outra operação. A pandemia nos mostrou que precisaremos ser menos humano dependentes na indústria. São paradigmas quebrados. A ciência como um todo terá uma evolução e uma valorização. E a indústria 4.0 vai se mostrar importante para os negócios e não só um modismo. E com isso vamos chegar mais rápido em outro patamar de utilização destas tecnologias.

Qual a importância das pessoas na transformação digital?

Claudio - Adoro este tema, porque em qualquer conversa sobre tecnologia, sempre chegamos em pessoas. Porque é tudo sobre pessoas. Indústria 4.0 é sobre fazer os seres humanos e a Terra fiquem melhor. A gente precisa olhar para o todo, porque tecnologia e negócios precisam resolver problemas para as pessoas e para a Terra.

Quem é seu guru? O que aprendeu com ele?

Claudio -
Meu grande guru é meu pai e a grande lição que ele me ensinou é estar sempre aberto ao aprendizado. 

Indique um livro (ou um filme, ou uma série, ou um site, ou um canal) que seja inspirador:

Claudio -
Minha sugestão é um Podcast chamado The Portal. Esse cara faz entrevistas geniais, com pessoas geniais. São entrevistas de alto nível que estão numa linha de não-polarização que a gente está vivendo hoje e me incomoda muito. Ele é matemático, economista, trabalha no Vale do Silício e consegue debater com pessoas sobre biologia, sociologia, antropologia, economia, física, comportamento humano e tantas outras coisas.

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