Passos para transformar sua planta em uma Usina 4.0

Atualmente, sistemas inteligentes considerados no conceito 4.0 comandam o planejamento e a rotina operacional e gerencial de dezenas de usinas

Por: JornalCana      08/04/2020 

Por: Nelson Nakamura, Douglas Mariani e Josias Messias*

Uma revisão dos temas abordados em palestras e eventos científicos dos últimos anos irá apontar uma grande prevalência do tema Indústria 4.0. Uma das razões deste interesse se deve aos estudos de firmas de consultoria como a Mckinsey indicarem um potencial de redução de custo de manutenção, consumo de energia e aumento de eficiência da ordem de 10% a 25%

Potencial da Indústria 4.0

 

A proposta da Indústria 4.0 é revolucionar a maneira com que produtos e serviços são gerados, conectando e otimizando toda a cadeia de valor (Informações, Pessoas, Equipamentos), com uso intensivo de tecnologia digital.

Mas o que caracteriza uma indústria 4.0? Quais tecnologias estão associadas a esta indústria? Quais as tecnologias mais indicadas para a indústria sucroenergética e como transformar uma planta numa Usina 4.0 em condições de capturar estes ganhos?

O presente artigo pretende responder a estas questões e, para tanto, o texto está subdividido em 4 partes. Na primeira parte apresentamos uma visão evolutiva da indústria, na sequência as tecnologias associadas à indústria 4.0 e uma distinção entre Indústria de Manufatura 4.0 e Indústria de Processos 4.0, visto que possuem características diferentes e demandam soluções diferentes. Na quarta parte apresentamos uma recomendação dos passos seguros para transformar uma planta de processos, como é a indústria sucroenergética, numa Usina 4.0.

Processo evolutivo das indústrias

Naturalmente, se existe uma indústria 4.0, é pressuposto que existem ou existiram indústrias caracterizadas como sendo das gerações 1.0, 2.0 e 3.0.


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O “Característica e Evolução da Indústria” sumariza esta evolução, considerando 3 aspectos: Tecnologia dominante; Forma e fonte de energia utilizada; Capacidade predominante das máquinas utilizadas.

A primeira geração é caracterizada pelo uso das máquinas a vapor. Estas máquinas foram as primeiras capazes de aproveitar, de uma maneira eficiente, a energia acumulada no carvão para gerar movimento e ser utilizada em trens, navios e teares a vapor. A queima do carvão veio substituir com vantagem a potência gerada por moinhos de vento, que dependiam de condições climáticas favoráveis.

A segunda geração utiliza o petróleo como principal matéria-prima e máquinas a combustão interna são largamente utilizadas no transporte de mercadorias e de pessoas. Nas indústrias, os equipamentos passam a substituir a força mecânica e se tornam auxiliares na linha de produção.

Na terceira geração a enegia elétrica se torna fundamental, com grande evolução da capacidade de processamento dos dados e de comunicação, passando os equipamentos a executar tarefas de controle e as atividades mais rotineiras.

Nesta visão de evolução, na quarta geração há uma proliferação de dispositivos inteligentes interconectados ao longo de toda a cadeia de produção e logística. A busca é por formar um sistema de produção físico-cibernético, com intensa digitaização de informações e comunicação direta entre sistemas, máquinas, produtos e pessoas, com fusão da tecnologia de produção com automação e tecnologia de informação. Neste cenário, as máquinas tendem a assumir além da função de controle, também as funções de supervisão e de tomada de decisões operacionais.

Tecnologias utilizadas pela indústria 4.0

Atualmente uma série de tecnologias foram incorporadas ao que denominamos de indústria 4.0, sendo as principais:

Simulação ou Gêmeos digitais
Na indústria 4.0 a simulação computacional é utilizada em plantas industriais para análise de dados em tempo real, aproximando os mundos físico e virtual, e no aperfeiçoamento em configurações de máquinas para testar o próximo produto na linha de produção virtual antes de qualquer mudança real, gerando otimização de recursos, melhor performance e mais economia.

Integração de sistemas
Internet das Coisas (IoT)

A internet das coisas (em inglês, IoT – Internet of Things) consiste na conexão entre rede de objetos físicos, ambientes, veículos e máquinas por meio de dispositivos eletrônicos embarcados, permitindo uma coleta e troca de informações mais rápida e efetiva. Na indústria de produtos e serviços, a IoT representa a integração de tecnologias que antes não estavam conectadas e que agora estão interligadas por meio de uma rede baseada em IP.

Segurança cibernética
A indústria do futuro demanda que todas as áreas da empresa estejam conectadas, tanto as redes corporativas (TI) quanto as de automação e operacionais (TA). Desta forma, é fundamental que as empresas contem com sistemas de cibersegurança robustos para proteger sistemas e informações de possíveis ameaças e falhas que podem causar transtornos na produção.

Computação em Nuvem
O número de tarefas relacionadas à produção de bens e serviços na Indústria tem crescido cada vez mais, demandando o uso de aplicativos e dados compartilhados entre diferentes localidades e sistemas para além dos limites dos servidores de uma empresa. A computação em nuvem fornece recursos que refletem em uma importante redução de custo, tempo e eficiência na execução destas tarefas.

Manufatura Aditiva
Também conhecida como impressão em 3D, este pilar envolve a produção de peças a partir de camadas sobrepostas de material, normalmente em forma de pó, para se obter um modelo 3D. Esta estratégia pode ser utilizada para criar produtos personalizados que oferecem vantagens de construção e desenhos complexos.

Realidade aumentada
Utilizando os recursos deste pilar, é possível, por exemplo, enviar instruções de montagem via celular para o desenvolvimento de peças de protótipo e utilizar óculos de realidade aumentada para a gestão e operação de determinadas máquinas, melhorando procedimentos de trabalho

Big Data e Analytics
Análise e gestão de grandes quantidades de dados proporciona o aumento de performance e otimização dos processos industriais, equalizando o consumo de energia com a qualidade de produção ao propiciar uma melhor leitura de cenários e tomadas de decisão mais velozes.

Robótica e Automação
Ao incorporar robôs inteligentes aos processos da Indústria, o setor ganha em desempenho e disponibilidade, deixando a execução de tarefas de produção logísticas e repetitivas a cargo das máquinas. Além de reduzir os custos, estes robôs representam um importante aumento na produção.

A figura “Tecnologias associadas à indústria 4.0”, contém as principais tecnologias consideradas em 2013 por Kagermann como associadas à indústria 4.0

Apesar de não estar explícito neste quadro, consideramos como importante a inclusão das seguintes tecnologias:

Inteligência Artificial
No sentido clássico, forma de reproduzir a capacidade humana de pensar. Por algoritmos traduzir a forma como muitas decisões são tomadas (árvore de decisões).

Machine learning
As máquinas são treinadas (neste caso os programas) para aprender a executar diferentes tarefas de forma autônoma. Logo, ao serem expostas a novos dados, elas se adaptam a partir dos cálculos anteriores e os padrões se moldam para oferecer respostas confiáveis.  Em vez de programar regras em um computador e esperar o resultado, com machine learning, a máquina aprenderá essas regras por conta própria.

Sensores Inteligentes
Além dos tradicionais utilizados para medição de parâmetros industriais, também os detectores de movimentos, gestos e os sensores baseados em nanotecnologia. Como exemplo as vestimentas inteligentes que constam com sensores que permitem monitorar continuamente a saúde de seus usuários.

Manufatura 4.0 XProcessos 4.0

Os conceitos da indústria 4.0 surgiram em 2011 durante a feira de Hannover e foram estimulados pelo governo da Alemanha, com foco na indústria de manufatura. Posteriormente estes conceios foram estendidos para os demais setores.

Como a indústria sucroenergética é de processo, cabe ressaltar as diferenças destes dois tipos de indústria e os desafios.

Um exemplo de uma indústria Manufatura é a fábrica de automóveis. Basicamente ela é uma indústria de montagem. Ela incorpora uma série de componentes ou subconjuntos para construir um produto final (carro).

Neste tipo de indústria impera a precisão, as partes e peças devem ser padronizadas e sujeitas a inspeção, com as peças ruins sendo descartadas. A fábrica deve ser flexível o suficiente para produzir modelos de carros diferentes a um preço competitivo. A evolução ocorre com a introdução de robôs, inicialmente no setor de pintura e posteriormente passam a ser utilizados em toda a linha de produção.

Um exemplo de uma indústria de processos é uma refinaria de petróleo ou uma indústria de açúcar e etanol. Em contraposição a uma indústria de manufatura, uma refinaria é, em suma, uma indústria de desmontagem. O petróleo é “desmontado” gerando  produtos como a  gasolina, diesel, querosene.  Como numa Usina há uma grande variabilidade da matéria-prima, sendo que o processo produtivo deve se adequar à qualidade da matéria-prima, entre outros fatores, e reduzir as perdas para produzir itens padronizados (commodities) em grande volume.

Neste tipo de indústria, diferentemente da indústria de manufatura, há décadas os sensores são utilizados para coletar dados de processo e técnicas como simulação de processos, originalmente através de planilhas de balanços de massa e energiaa, surgiram para ajudar os engenheiros a “testar” no mundo virtual as consequências de uma mudança nos parâmetros operacionais ou na configuração do layout produtivo. A tendência evolutiva caminha para modelos representativos de toda a planta e sua simulação e otimização em tempo real. Isto significa que os dados deverão ser disponibilizados e acessados onde elas estiverem, processados, interpretados e, com técnicas de inteligência artificial, o sistema deverá encontrar uma melhor condição operacional da planta em termos de eficiência global, respeitando os limites operacionais de segurança e de qualidade.

O quadro elaborado por Mário Venturelli sintetiza os desafios e as soluções buscadas pela Indústria 4.0.

Indústria 4.0 – Desafios e soluções buscadas (Mário Venturelli)

Indústria 4.0 – Desafios e soluções buscadas (Mário Venturelli)

 

Os desafios e muitas das técnicas englobadas pela indústria 4.0 são conhecidas há bastante tempo, mas só nesta década é que as aplicações destes conceitos puderam ser viabilizadas, graças ao avanço no poder de processamento dos computadores, ao barateamento dos sensores e à evolução das redes e da internet.

Um exemplo é o software S-PAA, desenvolvido e em operação há mais de 10 anos para enfrentar os desafios das usinas de açúcar, etanol e bioeletricidade.

O quadro “Indústria 4.0 de Processos e o S-PAA” mostra o alinhamento do S-PAA com os objetivos e as técnicas da indústria 4.0.

Indústria 4.0 de Processos e o S-PAA

 

Os 5 Passos para a Usina 4.0

Sendo a usina uma indústria de processos, as tecnologias a serem implementadas devem buscar a solução dos desafios e utilizando os princípios indicados no quadro “Indústria 4.0 de Processos e o S-PAA”:

  • Necessidade de operação em tempo real;
  • Os dados são adquiridos e tratados quase que instantaneamente, o que permite que decisões sejam tomadas rapidamente;
  • Modelos representativos da planta real “cópias virtuais / gêmeos digitais”;
  • Otimização global a partir de Inteligência artificial;
  • Escalabilidade – A mesma plataforma pode começar em um setor específico e avançar para toda a planta;
  • As decisões poderão ser tomadas a partir do mundo ciberfísico, de acordo com as necessidades da produção.
  • As máquinas fornecerão informações relevantes sobre o resultado da atuação, possibilitando o ajuste e o refinamento da operação, por exemplo, ao rodar as rotinas do PDCA.

 

Como passos a serem seguidos:
1) Planeje uma estratégia realista para a entrada na Usina 4.0
Você precisa avaliar a maturidade digital de seu negócio no atual momento, projetando onde sua empresa precisa estar. Defina metas claras para reduzir o gap. Priorize as medidas que trarão mais valor ao seu negócio, e garanta que elas estejam alinhadas com a estratégia geral.
2) Identifique uma solução que atenda os desafios do setor
Seguindo o mantra de um dos nossos clientes, Claudemir Leonardo, gerente industrial da Usina Pitangueiras: “Pense grande, comece pequeno, mas começe o mais rápido possível”.
Pensar grande significa que você deve mirar uma solução escalável, que contemple desde a cogeração até expedição dos produtos finais, mesmo que apenas um ou outro setor seja implementado de início. Isto para garantir que o objetivo da maximização global possa ser atendido dentro de uma mesma plataforma e de forma gradual e segura.
Comece pequeno no sentido de que seja um projeto com pouco investimento, mas com retorno seguro e atrativo, que gera confiança e credibilidade para vôos maiores.
Comece o mais rápido possível, para que não se espere uma condição ideial de infraestrutura para o seu início, pois as condições ideais nunca existirão e o mercado não permite ficar abrindo mão de ganhos e do melhor conhecimento e controle da planta.
3) Planeje os investimentos tecnológicos
A intenção é direcionar os recursos da empresa para a aquisição de tecnologias realmente úteis, sem precisar, por exemplo, trocar todas as suas tecnologias ou realizar investimentos em instrumentação desnecessários, visto que uma solução RTO como o S-PAA pode gerar dados via medidores virtuais, que estimam com alto grau de assertividade variáveis importantes, tal como o ART, por exemplo.
A experiência indica que atualmente 90% das indústrias do setor possuem nível de instrumentação e automação suficientes para implantação da plataforma S-PAA de Usina 4.0.
O importante é que as informações de processos e de laboratório estejam acessíveis.
4) Envolva a direção, a gerência, os engenheiros, os supervisores, os operadores, TI, Automação
Conquistar o comprometimento de todos os envolvidos é imprescindível para o sucesso de um projeto de Usina 4.0. E a melhor forma de engajar os colaboradores é fazer deles os primeiros beneficiados, os quais, com o auxílio da tecnologia, passam a se tornar mais produtivos e fazer mais, melhor e com mais conforto e segurança.
Como os atuais aplicativos de smartphones, uma verdadeira plataforma Usina 4.0 vem contribuir e acelerar o processo de integração e empoderamento dos colaboradores, e não criar novos núcleos de poder.
5) Treinamento, Capacitação e Adaptação às mudanças
Na indústria 4.0 a tecnologia é utilizada para transformar dados em vantagem competitiva. No entanto nem todos tem uma cultura digital, razão pela qual especial atenção deve ser dado para gerar um ambiente colaborativo entre o pessoal pouco afeito à tecnologia, mas com experiência operacional, e com o pessoal afeito à tecnologia, mas com pouco conhecimento prático da operação. Neste sentido, o programa “C.R.A. 4.0” da Usina Pitangueiras é um excelente modelo.
Uma plataforma de Usina 4.0 como o S-PAA usa a inteligência artificial para incentivar o melhor aproveitamento dos diversos tipos de inteligência e aptidões de cada profissional no processo, visando obter a otimização dos resultados da planta.

Conclusão

Hoje, sistemas inteligentes, que podem ser considerados no conceito 4.0, comandam o planejamento e a rotina operacional e administrativa de dezenas de usinas. É importante ressaltar a complexidade da planta industrial de uma usina, cuja eficiência depende de centenas de variáveis muito dinâmicas e de profissionais que carecem de tecnologias avançadas para transpor a inteligência da gestão para a operação. Exceto se a usina está num nicho de mercado rentável ou num paraíso edafoclimático, em algum momento dos próximos anos terá que adotar um projeto de Usina 4.0 para se manter competitiva. E, neste sentido, escolher uma plataforma integrada, escalável e com dezenas de cases de sucesso é um quesito estratégico.

Autores

  • Nelson Nakamura, diretor da Soteica, é engenheiro mecânico com pós-graduação em produção, especialização em engenharia química e PhD em administração de empresas.
  • Douglas Castilho Mariani, é engenheiro químico com doutorado em engenharia química na área de simulação e otimização de processos industriais e consultor da Soteica.
  • Josias Messias é jornalista e presidente da ProCana Brasil.

 

* Acesse a publicação original aqui.

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