Brasil patina para encontrar seu papel na indústria 4.0

Nova lógica dos negócios pode fazer país ficar para trás ou ganhar competitividade

Está em curso no mundo uma nova revolução industrial que já está mudando a lógica do desenvolvimento e dos sistemas de produção e que afeta em cheio o setor automotivo. A denominada Indústria 4.0 – ou manufatura avançada – veio para ficar e como ela será realidade dentro do escopo da mobilidade. Este foi o tema central do Workshop A Indústria 4.0 e a Revolução Automotiva, realizado por Automotive Business nesta segunda-feira, em São Paulo.

Para Rodrigo Custódio, diretor da consultoria Roland Berger, este processo de transformação acontece em ritmo acelerado e terá como resultado mudanças disruptivas em contraste com as habituais evoluções graduais. Ele avalia que há oportunidades para que os países ocupem posições de destaque neste novo contexto, que reúne internet das coisas, automação, softwares, análise de dados nas fábricas e em toda a cadeia produtiva, incluindo logística e armazenamento. Com estes recursos, são formadas redes que integram empresas, linhas de montagem, homens e máquinas. Com tudo conectado, robôs de uma linha de produção podem trabalhar com manutenções preditivas automatizadas, por exemplo. Os ganhos atingem toda a cadeia logística que, em rede, ganha expressivos índices de eficiência. O objetivo de trabalhar com esta nova plataforma é a produtividade.

Enquanto na Alemanha esta evolução está baseada na participação impressionante de robôs nas linhas de montagem - são mais de 400 mil -, no Brasil o caminho ainda não está claro.

“Estamos atrasados na automação, mas a Indústria 4.0 não será mais um modelo que importaremos de fora. Ela vai exigir muita ação para que cheguemos a um formato próprio, com conhecimento desenvolvido localmente. O Brasil pode dar um salto ou perder o bonde”, avalia. 

Kai Probst, diretor de desenvolvimento de negócios da divisão digital da T-Systems, concorda. No evento ele citou que cada empresa e mercado chegará ao seu modelo ideal. “A Indústria 4.0 pressupõe que a gente abra a cabeça, não feche a atuação em busca de uma solução única. Não é destruir o antigo, mas pensar em como evoluir e adaptar para a nova realidade”, observa. 


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Os caminhos para o Brasil

Nesse processo, Custódio, da Roland Berger, indica que o Brasil deve ficar atento aos principais aspectos que funcionam como base para esta revolução industrial. O primeiro deles é a automação das operações. Em seguida ele cita a necessidade de padronização. “Precisamos chegar a um consenso com governo, academia e o meio industrial. É preciso cobrar isso”, defende.

Outro ponto essencial, ele indica, é uma boa estrutura de telecomunicações e rede 4G para dar conta da demanda por internet neste novo cenário. A educação também é aspecto relevante, segundo o consultor. Tantas mudanças devem alterar o perfil do profissional que trabalhará na indústria: a necessidade já aponta para engenheiros e pessoas capacitadas na área de software, por exemplo.

Já do lado das empresas, Custódio determina que chegou o momento em que será essencial fazer da inovação parte da cultura corporativa, não apenas um departamento. "Hoje enfrentamos muita burocracia e um desincentivo às tentativas e erros", critica, lembrando que foi esse um dos aspectos-chave para a ascensão das empresas do Vale do Silício, nos Estados Unidos.

Segundo Rogério Albuquerque, executivo de vendas para o setor automotivo da Siemens PLM, no caso do Brasil, além de diferentes modelos de negócio, vale as empresas se debruçarem no universo digital, uma vez que ele ajuda a simular sistemas de manufatura, entre outras situações, para definir o que será feito na realidade do chão de fábrica. “É fato que existem iniciativas no Brasil, as montadoras estão mais empenhadas neste sentido, mas quando olhamos para tiers 2 ou 3, a realidade ainda é bem trágica em se tratando desse tipo de modernização. Algumas engenharias têm, usam softwares capazes de prever e simular situações, mas ainda escutamos que é necessário haver essa quebra de paradigma no chão de fábrica”, alerta.

Segundo Ivar Berntz, sócio-diretor da Deloitte, este será um dos grandes desafios que a indústria nacional encontrará, o de formar e contratar multiprofissionais que atendam - e entendam - as novas necessidades para lidar com a manufatura avançada. Em uma pesquisa da Deloitte realizada com 550 executivos de 40 países sobre os principais fatores alavancadores da competitividade, o primeiro item que aparece na lista por importância é "talento", seguido por "custos" como segundo fator mais importante. "Produtividade e força de trabalho" aparecem como terceiro item para esses CEOs ouvidos pela consultoria internacional.

O ranking dos países mais competitivos em termos industriais e de manufatura mostra a desvantagem do Brasil, que em 2010 ocupava a terceira posição, atrás apenas de China, em primeiro lugar, e Estados Unidos, na vice-liderança. “Em 2016, o Brasil caiu para a 26ª posição e para 2020 a estimativa é de que melhore um pouco e fique na 23ª, mas ainda longe do Top 10, que ganha Alemanha, Japão e Reino Unido já neste ano”, alerta Berntz. Ele aponta que fora da China os Brics em geral não vão bem quando o assunto é competitividade manufatureira, com exceção da Índia, que pode voltar a crescer mais rapidamente, ao contrário de Brasil e Rússia, que enfrentam profunda recessão econômica.

Já para Miguel Duarte, sócio-diretor da EY (Ernest&Young), “o mundo digital transforma atitudes e sua hipercomplexidade desafia os velhos paradigmas”. Com esta constatação ele define que há caminhos táteis e possíveis para diferentes mercados, valendo-se de planejamento. “Automóvel e mobilidade não significam a mesma coisa e o impacto desta ruptura é o que está provocando uma mudança de paradigmas”, afirma. “E na indústria automotiva este é um cenário altamente volátil, incerto, complexo e ambíguo.” 

Duarte cita exemplos que mostram outra face das montadoras, que já mergulham no mundo novo da era digital, como o da General Motors que comprou recentemente a Lyft por US$ 500 milhões. A empresa que opera nos Estados Unidos é especializada em transporte privado e de compartilhamento de veículos – concorrente do Uber, este último já conhecido no Brasil. Ele lembra também da Ford que lançou nos Estados Unidos (Texas) um programa piloto de leasing compartilhado, no qual grupos de três a seis pessoas têm a posse comum do mesmo carro, dedicado a consumidores que não precisam de um veículo em tempo integral, mas que gostariam de dispor do carro em algumas ocasiões. 

“Quantos ativos todos nós temos e que não usamos ou usamos muito pouco? Em média, a taxa de utilização do carro é de 5%: o carro não é usado 23 horas por dia”, reforça.